Sempre há uma esperança de que, um dia, as coisas melhorem. Este sentimento, depositado no amanhã, me acompanha desde criança – quando comecei a entender o que os mais velhos diziam. A maioria deles, já morreram de esperança. Nós, como eles, continuamos vivendo da mesma esperança, acreditando que dia melhor virá, nas asas imponderáveis do destino, a nos carregar para um futuro de incertezas esperançosas.
Flávio Tallarico.
1 INTERMEZZO
Depois de muito viver,
aprendi a ouvir mais e falar menos.
Por esta razão
é que eu vivo de boca fechada,
ruminando o resto de vida que me resta
nas falhas dos meus dentes remendados.
Mesmo assim,
ainda consigo sentir
o delicioso gosto da poesia
que se esvai em busca do infinito,
levada por um suave som do meu violino
(Flávio Tallarico).
CONSTATAÇÃO
Ontem, quando eu era criança (digo ontem porque parece que foi ontem), ouvi meu pai dizer que um amigo nosso, barbeiro de profissão, estava completando setenta anos. Espantado, acreditei ser algo muito distante, inatingível por um ser humano. Pensei, na ocasião, estar diante de um Matusalém.
Hoje, já próximo de completar setenta e dois anos, entendo a pequena distância percorrida entre a infância e a senilidade – e pago o preço cobrado por esta curta caminhada. Zumbido nos ouvidos me lembram rezas. Pressão na cabeça sugerem neurônios mortos, pranteados pelos que ainda vivem. Sinapses de luto, trabalham mal. A memória se esvai, justo agora que eu estava tentado escrever alguma coisa.
Esqueci-me do que pretendia dizer. Qualquer hora, se me lembrar, volto ao assunto. Coisas da melhor idade? Não. Coisas da senil idade.
(Flávio Tallarico)
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